Toda celebração litúrgica da Igreja é rica! Pois ela busca nos colocar no âmago dos mistérios que celebramos!
Estes Mistérios de fé não são coisas incompreensíveis em si. O Mistério é uma realidade transcendente, um fato que acontece na historia, mas que vai para além da história entrando no “tempo de Deus’ por ser uma realidade de Salvação.
A Liturgia é o meio pelo qual, na terra entramos no tempo de Deus para vivenciarmos também os Mistérios que Deus realizou em nosso favor. Pela Liturgia participamos dos Mistérios de nossa Salvação, ou seja, participamos das ações de Deus na Historia em nosso favor.
Para compreendermos melhor estas realidades, segue como exemplo uma breve reflexão sobre o Mistério do Natal.
Num determinado momento da Historia, Deus escolheu uma mulher, pela qual enviou seu Filho à esta terra. Esse seu Filho é o próprio Deus feito homem. Isso é um mistério de Salvação. Só aos olhos da fé podemos afirmar que aquele homem de Nazaré é Deus encarnado para a nossa salvação.
Esse mistério da Encarnação aconteceu 2000 anos atrás. Mas toda ação de Deus é eterna, rompe com os limites do tempo. Por isso, nós hoje, que não vivenciamos no tempo histórico o fato da encarnação, podemos vivenciá-lo hoje pela liturgia. Na celebração litúrgica, os limites do tempo se rompem, e nós entramos no tempos de Deus. Nós experimentamos hoje o Mistério da salvação que entrou na historia tempos atrás.
O papa São Leão magno (+ 461), certa vez pregou na Liturgia de Natal: “Hoje, amados, nasceu o nosso salvador. Alegremo-nos. Não pode haver tristeza no dia em que nasce a vida; uma vida que, dissipando o temor da morte, enche-nos de alegria com a promessa da eternidade” (S. leão magno – Sermão I da Natividade do Senhor).
Se prestarmos atenção à Liturgia de Natal (na Missa do dia 24 a noite, do dia 25 e da oitava de Natal), veremos que todas as orações, antífonas, leituras, etc.. nos querem por diante da realidade da própria presença do mistério que celebramos. É como se, no espírito, entrando no tempo de Deus, participássemos de tal mistério da Salvação, no tempo que ele ocorreu! Pela Liturgia podemos ir ao presépio, como os pastores contemplar o menino Jesus, podemos dizer com os anjos: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por ele amados!”. Pela Liturgia entramos no Mistério do Natal. Não é só uma recordação. É participação!
De fato, já no inicio da Liturgia do dia 24 á noite, a antífona de entrada afirma: “Alegremo-nos todos no Senhor: hoje nasceu o Salvador do mundo, desceu do céu a verdadeira paz!” (Sl 2,7). Vemos portanto que logo no inicio a Liturgia nos coloca no centro daquilo que celebramos: nos coloca hoje diante do salvador que nasceu!
Já a oração do dia da Igreja reza: “Ó Deus, que fizestes resplandecer esta noite santa com a claridade da verdadeira luz, concedei que, tendo vislumbrado na terra este mistério, possamos gozar no céu sua plenitude. PCNS”. Por esta oração vemos claramente onde a liturgia nos coloca: Ela nos pões “na noite santa” em que o Cristo nasceu como luz para nós. Esta oração fala deste mistério que acontece na terra e que nós também hoje podemos vislumbrar, afirmando que este Mistério possui sua plenitude no céu! Tudo aquilo que dissemos acima vemos concretizar-se na Liturgia: O fato histórico ocorrido no tempo dois mil anos atrás, se torna presente a nós pela Liturgia, pois este Mistério é “eterno” tendo sua plenitude no céu! Nós podemos contemplar este Mistério aqui, mas já pedimos a Deus aqui para o gozarmos até a eternidade! De fato aqui contemplamos a Encarnação de Deus. Mas na eternidade nós contemplaremos a nossa divinização, e veremos Deus tal como Ele é!
A Primeira Leitura da Liturgia de Natal (Isaias 9,1-6) nos coloca diante da realidade da espera e da profecia de que o salvador viria. É uma Leitura do Antigo Testamento, que já profetiza: “O povo, que andava na escuridão viu uma grande luz... Por que nasceu para nós um menino, foi-nos dado um Filho; ele trás nos ombros a marca da realeza...”. Esta leitura fala do anseio por paz, e pela presença do Senhor. Esta espera por uma salvação, se realiza no Cristo!
O Evangelho (Lucas 2,1-14) comunica a realização da profecia. “O anjo porém disse aos pastores: Não tenhais medo! Eu vos anúncio uma grande alegria, que o será para todo o povo: hoje na cidade de Davi, nasceu para vós um salvador, que é Cristo Senhor”.
A profundidade desta realidade é cantada no hino pela multidão da coorte celeste: “Glória a Deus no mais alto dos céus, e paz na terra aos homens por ele amados” (Lc 2,14). Este hino expressa o significado profundo do mistério que acontece: O nascimento de Jesus manifesta a glória de Deus, e o amor desse Deus pela humanidade!
A Glória de Deus é a manifestação do ser divino que resplandece. O que resplandece de Deus: o Seu amor! Diz santo Irineu (+202) que “A glória de Deus é o homem vivo”. Isso é verdade porque se Deus é amor, a maior manifestação de amor de Deus é manter na existência toda criação, principalmente ao homem, que foi criado á sua imagem e semelhança! Esse esplendor da Glória de Deus se tornou ainda mais manifesto quando o próprio Deus se fez homem! Além de criar o homem, mante-lo na existência por amor, Deus se faz igual ao homem para viver a sua vida!
Este o poder de Deus! O poder de se fazer pequeno! Este é mo poder do amor. Na Encarnação do verbo de Deus, resplandece a grandiosa glória de Deus! O Seu amor! Diz São Bernardo (sec. XII) “Apareceu a bondade e a humanidade de Deus, nosso salvador”
A II Leitura revela então o que essa realidade de salvação é para nós: “A graça der Deus se manifestou, trazendo salvação para todos os homens” (II Tito 2,11). O que é a salvação? A salvação é a comunhão com Deus pelo amor. Essa salvação é a manifestação do sentido pleno da vida do homem. A vida humana não é vazia de sentido! A vida humana se realiza na comunhão dos homens com Deus e entre si! Essa comunhão é para a vida eterna desde agora! Por isso ensina o Apostolo Paulo na segunda leitura: “Ele se entregou por nós para nos resgatar de toda maldade e purificar para si um povo que lhe pertença e que se dedique a praticar o bem” (Tt 2,14).
No Natal nos participamos realmente do maior dos mistérios de nossa fé: Deus se faz homem! Pela Liturgia (orações, leituras, antífonas, etc..) nós entramos, para além do tempo, naquela noite santa em que o menino nasceu. Nele contemplamos o amor de Deus, tão singelo, puro e simples! Deus entrou na vida humana! Toda vida humana é plena de significado aos olhos de Deus! Diz Santo Agostinho: “Desperta, ó homem: por tua causa Deus se fez homem” (Sermão 185). Deus se fez homem para nos elevar à Sua dignidade!
Pela liturgia de Natal entramos nessa realidade sublime, pois como diz santo Hipólito: “Nossa fé se fundamenta nas palavras pronunciadas pelo pode divino”. Pela palavra de Deus, entramos no tempo de Deus, pois antes, ele se dignou entrar no nosso tempo! A nossa vida ganha, portanto novo sentido, sentido eterno e pleno, sentido marcado pelo amor do Senhor por nós! E como ele se fez homem, dignificando a humanidade, toda vida humana, em seus pormenores, toda relação humana é dignificada somente pelo amor! Que o amor divino por nós, eleve o nosso amor á ele e á todos. Isso é Natal!